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24.03.17

Combinação de políticas pode evitar extinções de proporções históricas projetadas para o Cerrado, mostra estudo coordenado por brasileiros, publicado na Nature Ecology and Evolution

Brasil pode perder até 1140 espécies se seguir com o modelo atual

O avanço do desmatamento no Cerrado poderá resultar na extinção de 1140 espécies de plantas nos próximos 30 anos, um número oito vezes superior a todas as espécies de plantas registradas como extintas desde 1500 em todo o mundo, mostra um estudo internacional coordenador por brasileiros publicados nesta quinta-feira, 23, na Nature Ecology and Evolution. Por outro lado, os autores demonstram que este quadro é evitável sem prejudicar a agricultura, e apontam para uma série de políticas públicas e privadas já em implementação ou desenvolvimento que, caso coordenadas e com foco neste objetivo, poderiam evitar o quadro de extinções projetado.

Segundo Bernardo Strassburg, coordenador do estudo, Diretor Executivo do Instituto Internacional para a Sustentabilidade (IIS) e Coordenador do Centro de Ciências para a Conservação e Sustentabilidade (CSRio) do Departamento de Geografia e Meio Ambiente da PUC-Rio, o Cerrado já perdeu praticamente metade de sua área, mas ainda reúne 4600 espécies de plantas que não existem em nenhum outro local do planeta. Se o ritmo do desmatamento continuar, daqui a 30 anos, o Cerrado ficará ainda menor, perdendo mais um terço do tamanho atual, em consequência do desmatamento para a expansão da soja, cana de açúcar e pastagens. Nos últimos anos, o Cerrado já perdeu 88 milhões de hectares, 46% de sua cobertura nativa. Entre 2002 e 2011, as taxas de desmatamento na região (1% ao ano) foram 2,5 vezes mais altas do que na Amazônia.

“O Cerrado brasileiro abriga uma coleção enorme de espécies únicas no mundo, que é a base deste bioma tão fundamental para a economia, segurança hídrica e energética do país. O que identificamos é que a progressão do desmatamento levará a um quadro de extinções de espécies de plantas em escala jamais registrada no mundo. Este quadro, irreversível e lamentável por si só por razões morais, teria impactos graves para a manutenção deste ecossistema fundamental para a economia e a sociedade brasileira”, diz ele.

É justamente na combinação de políticas públicas e privadas que reside o potencial maior para evitar o colapso do Cerrado. Os autores selecionam oito grandes áreas e políticas estratégicas já em implantação ou desenvolvimento pelo Ministério do Meio Ambiente e outros atores que, caso implementadas, financiadas apropriadamente e executadas com um foco também em evitar as extinções do cerrado, poderiam promover a conciliação entre a produção e a conservação. É o caso, por exemplo, da Moratória da Soja, uma história de sucesso na Amazônia, onde praticamente eliminou a conversão direta de floresta para a soja. Caso fosse estendida ao Cerrado, como defendido publicamente pelo Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, seria um gigantesco passo para assegurar um futuro sustentável para a região. A demarcação de áreas protegidas, financiamento para conservação (inclusive relacionados às mudanças climáticas) e um foco em identificar áreas prioritárias para a conservação, restauração e expansão agrícola são outras medidas essenciais.

 “Não é preciso reinventar a roda, as políticas necessárias já existem e foram usadas com sucesso na Amazônia no passado recente. O necessário agora é ter também como foco prioritário evitar este quadro preocupante. Há espaço suficiente para conciliar o aumento da produção agrícola e a conservação e restauração do que sobrou do Cerrado. Não é simples, mas com um esforço concentrado dos atores públicos e privados envolvidos, e a pressão adequada da sociedade para que as políticas tenham o apoio e o financiamento necessários, o Brasil pode reverter um gigantesco desastre em uma grande história de sucesso”, explica Strassburg.

A baixa proteção formal – menos de 10% do Cerrado é coberto por Unidades de Conservação – e alta aptidão agrícola colocam os remanescentes de cerrado como a grande fronteira de expansão do agronegócio. Aliado a isso, a região ainda atrai poucos investimentos diretos em conservação, embora seja fundamental para os recursos hídricos e até para as metas nacionais e internacionais de combate as mudanças climáticas: o desmatamento projetado levaria a emissão de 8,5 bilhões de toneladas de CO2, o equivalente a duas vezes e meia tudo o que o Brasil deixou de emitir com a grande queda do desmatamento da Amazônia entre 2005 e 2013.

“Esses números colocariam em risco a reputação internacional do Brasil como líder em economia verde ou desenvolvimento sustentável. Colocaria também o agronegócio brasileiro como responsável por uma das maiores tragédias já registradas para a biodiversidade mundial, justamente em um momento onde os principais mercados consumidores estão construindo metas de exclusão de cadeias associados ao desmatamento e degradação ambiental”, complementa Strassburg.

Os pesquisadores mostram que é possível conciliar todo o aumento previsto de soja, cana e pecuária em áreas já desmatadas, e ainda liberar áreas para a recuperação da vegetação nativa exigida no código florestal. Aumentando a produtividade das áreas já dedicadas a pecuária de 35% para 61% de seu potencial sustentável, seria possível encaixar os mais de 15 milhões de hectares de expansão de soja e cana e ainda 6,4 milhões de hectares para a recuperação da vegetação nativa. “A chave para destravar um future sustentável para o Cerrado está no potencial para aumentar a taxa de lotação das pastagens, abrindo espaço para a expansão prevista de culturas agrícolas e ao mesmo tempo poupando e restaurando ambientes naturais para a notável biodiversidade da região. Com um apoio político robusto, este desastre pode ser evitado”, diz o Professor Andrew Balmford da Universidade de Cambridge, e coautor do estudo.

“O aumento da produtividade da pecuária pode ser feito através das técnicas que já existem como pastejo rotacional ou suplementação alimentar. Porem vários obstáculos, como escassez de mão de obra e aspectos financeiros, devem ser superados para acompanhar os produtores nessa transição” complementa Agnieszka Latawiec, Diretora Executiva do Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS) e Coordenadora do Centro para Ciência de Conservação e Sustentabilidade da PUC-Rio (CSRio).

Esta recuperação da vegetação nativa tem papel fundamental para evitar o colapso: se for realizada em áreas prioritárias para a biodiversidade, poderiam evitar até 83% das extinções projetadas. “A nova Política Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa, criada por decreto presidencial no mês passado, pode auxiliar na promoção desta restauração em áreas prioritárias”, diz Carlos Alberto de Mattos Scaramuzza, Diretor de Conservação de Ecossistemas do Ministério do Meio Ambiente e um dos autores do artigo.

O artigo intitulado “Moment of truth for the Cerrado hotspot” (“Momento da verdade para o hotspot Cerrado”) foi escrito por pesquisadores do Brasil e de outros países. Os pesquisadores brasileiros são do Centro de Ciências para Conservação e Sustentabilidade do Rio, do Departamento de Geografia e Meio Ambiente da PUC-Rio (CSRIo); Instituto Internacional para a Sustentabilidade – IIS; Universidades Federais do Rio de Janeiro (UFRJ), Minas Gerais (UFMG) e Goiás (UFG), do Centro Nacional de Conservação da Flora, e da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável. Os demais autores são do Reino Unido (Universidade de Cambridge) e da Suíça (União Internacional para a Conservação da Natureza).

 

Autores:

Bernardo B. N. Strassburg, Thomas Brooks, Rafael Feltran-Barbieri, Alvaro Iribarrem, Renato Crouzeilles, Rafael Loyola, Agnieszka E. Latawiec, Francisco J. B. Oliveira Filho, Carlos A. de M. Scaramuzza, Fabio R. Scarano, Britaldo Soares-Filho e Andrew Balmford