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Construindo Cidades Resilientes

O crescimento desordenado das cidades e o planejamento inadequado da infraestrutura urbana criam áreas mais vulneráveis a desastres ambientais. Em contrapartida, as cidades resilientes ajudam a criar um sistema para resistir, absorver, adaptar-se e se recuperar dos efeitos causados pelos principais desafios ambientais nas cidades. Descubra nesse texto, o que são as cidades resilientes e quais diretrizes e caminhos para construí-las. 

escrito por Bruna Pavani e revisado por Julia Venegas Claassen  

 

Consequências de eventos climáticos extremos a cidades

Eventos climáticos extremos e desastres ambientais têm se intensificado nos últimos anos, desafiando a capacidade das cidades de garantir segurança e prosperidade. Esse desafio está claramente destacado no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (SDG) 11 da Agenda 2030, que visa promover cidades resilientes. 

Entre 2010 e 2020, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) estimou que desastres relacionados ao clima afetaram mais de 200 milhões de pessoas anualmente. Projeções indicam que até 2050, aproximadamente 1,2 bilhões de pessoas poderão estar expostas a riscos graves de inundação devido ao aumento do nível do mar e eventos climáticos extremos. Além de afetar diretamente a vida das pessoas, esses eventos causam danos significativos às habitações e infraestruturas, afetando sistemas interdependentes como energia, transporte, drenagem urbana e abastecimento de água. Por exemplo, a tragédia no Rio Grande do Sul, ocorrida em maio de 2024, afetou 478 cidades e quase 2,4 milhões de pessoas, resultando em 806 feridos, 29 desaparecidos e 182 óbitos confirmados. O impacto econômico da catástrofe pode chegar a R$ 97 bilhões.  

As consequências das mudanças climáticas também incluem ondas de calor e secas severas. Em 2003, uma onda de calor na Europa causou mais de 70 mil mortes. A cidade do Cabo, na África do Sul, enfrentou uma crise de água conhecida como “Dia Zero” em 2018 devido a uma seca prolongada, enquanto Mendoza, na Argentina, enfrenta problemas semelhantes devido à seca persistente que afeta o abastecimento de água e a agricultura. 

Esses impactos e perdas variam conforme a intensidade dos eventos e a resiliência das cidades. Segundo o IPCC, as mortes por enchentes, secas e tempestades aumentaram 15 vezes mais em regiões altamente vulneráveis do que em áreas com baixa vulnerabilidade. Com mais da metade da população mundial vivendo em áreas urbanas e desempenhando papéis cruciais no desenvolvimento, é essencial desenvolver cidades resilientes para enfrentar esses desafios.  

O aumento da frequência e intensidade de ondas de calor, inundações, tempestades e outros eventos climáticos pressiona as cidades a desenvolverem sistemas e mecanismos que promovam a resiliência urbana.

o que são e Princípios Fundamentais para Construir Cidades Resilientes

O Marco de Sendai para a Redução do Risco de Desastres, adotado pelo Escritório das Nações Unidas para a Redução do Risco de Desastres (UNDRR), estabelece diretrizes para reduzir mortes e perdas causadas por desastres. As quatro diretrizes são:  

  1. compreender o risco de desastres 
  1. fortalecer a governança e o gerenciamento de riscos 
  1. investir na redução de riscos para a resiliência 
  1. preparar uma resposta eficaz para recuperação.  

O UNDRR indica a resiliência como uma de suas prioridades, definindo-a como a capacidade de um sistema para resistir, absorver, adaptar-se e se recuperar dos efeitos de uma ameaça de maneira eficaz, preservando e restaurando as estruturas e funções básicas do sistema.  

Assim, cidades resilientes são compreendidas como cidades que ao mesmo tempo que são capazes de resistir e se recuperar de desastres naturais e eventos extremos, também possuem capacidade de se adaptarem às alterações climáticas e outras ameaças. Essas cidades trabalham para minimizar os riscos de situações drásticas, criando planos de ações de adaptação e mitigação às mudanças climáticas e outros desafios. Os governos locais são essenciais para engajar a população e construir esses planos de maneira participativa e transdisciplinar, aumentando a transparência e a eficiência quando forem usados no futuro. 

Este Escritório da ONU lidera a Iniciativa Construindo Cidades Resilientes 2030 (MCR2030), que oferece um roteiro para cidades que buscam reduzir o risco de desastres e construir resiliência urbana. Este roteiro é baseado na experiência de 4.350 cidades e promove dez princípios essenciais para a construção de cidades resilientes. 

 

Dez princípios para construir cidades resilientes: 

  • Organizar para a resiliência a desastres 
  • Identificar, compreender e utilizar cenários de risco atuais e futuros 
  • Fortalecer a capacidade financeira para a resiliência 
  • Promover o desenvolvimento e design urbano resilientes 
  • Proteger áreas naturais para melhorar as funções protetoras oferecidas pelos ecossistemas naturais 
  • Fortalecer a capacidade institucional para a resiliência 
  • Compreender e fortalecer a capacidade social para a resiliência 
  • Aumentar a resiliência da infraestrutura 
  • Garantir preparação e resposta eficazes a desastres 
  • Acelerar a recuperação e reconstruir melhor 
Cidades resilientes são compreendidas como cidades que ao mesmo tempo que são capazes de resistir e se recuperar de desastres naturais e eventos extremos, também possuem capacidade de se adaptarem às alterações climáticas e outras ameaças.

Soluções sinérgicas para cidades e natureza 

Nesse contexto, as Soluções baseadas na Natureza (SbN) oferecem diversas oportunidades as cidades se tornarem mais resilientes ao mesmo tempo que contribuem no combate aos grandes desafios ambientais: redução do risco de desastres, adaptação e mitigação climática, perda de biodiversidade etc.  A restauração ecológica é uma das SbN com alto potencial de reduzir o risco de catástrofes, como deslizamentos de terras e inundações, ao mesmo tempo que promove a adaptação climática, como controle de temperatura do ar e da provisão de água. Essas soluções também incluem naturalização da urbanização, intervenções hídricas e infraestrutura verde. 

As SbN aumentam a resiliência das cidades e dos habitats naturais, contrabalanceando riscos e evitando perdas no bem-estar humano. Além de estabelecer soluções integrativas e sistêmicas entre natureza e sociedade, geralmente, essas soluções têm menores custos, maior durabilidade e maior adaptabilidade do que as infraestruturas cinzas. Cabe ao planejamento estratégico identificar locais com alto risco de catástrofes que – através da implementação de SbN – podem se tornar provedores de benefícios para o bem-estar humano e para a natureza. 

A restauração ecológica é uma das SbN com alto potencial de reduzir o risco de catástrofes, como deslizamentos de terras e inundações, ao mesmo tempo que promove a adaptação climática, como controle de temperatura do ar e da provisão de água.

Cidades resilientes ao redor do mundo 

  • Em 2017, um grupo pioneiro de 8 cidades (Boston, Durban, Londres, Los Angeles, Melbourne, Cidade do México, Nova York e Paris) anunciou uma colaboração em planos de ação climática para atender às metas do Acordo de Paris, tornando as cidades mais resilientes. Atualmente, este grupo – o C40 Grupo de Liderança Climática das Cidades (C40 Cities) – conecta mais de 90 das maiores cidades do mundo, representando mais de 650 milhões de pessoas e um quarto da economia global. 
  • Nova York, nos EUA, é uma das lideranças na resiliência urbana do C40. A cidade implementou uma estratégia de proteção e restauração das bacias hidrográficas ao redor dos reservatórios, economizando 300 milhões de dólares por ano em operações de tratamento de água e manutenção. Telhados verdes e jardins de chuva também foram instalados para melhorar a gestão das águas pluviais. 
  • Paris, na França, também apresentou um novo modelo organizacional para atender aos Jogos Olímpicos e deixar um legado benéfico para a cidade e sua população. Este modelo prevê acelerar a transformação ecológica do esporte e da sociedade, incluindo ações como alimentação saudável para pessoas e planeta, economia circular, comunicação engajada, infraestruturas verdes, preservação da biodiversidade e redução de emissões de gases de efeito estufa.

 

O futuro das cidades resilientes no Brasil 

O Governo Brasileiro acabou de lançar o Programa Cidades Verdes Resilientes, que visa “aumentar a qualidade ambiental e a resiliência das cidades brasileiras diante dos impactos da mudança do clima, por meio da integração de políticas urbanas, ambientais e climáticas”. Essa estratégia federal visa movimentar diferentes esferas governamentais, estimulando as práticas sustentáveis e a valorização dos serviços ecossistêmicos do verde urbano aliados à agenda climática e sustentabilidade. 

No Centro de Síntese em Mudanças Ambientais e Climáticas (SIMACLIM), projeto liderado pela Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima) e financiado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), estou trabalhando junto com pesquisadores nacionais e internacionais para a elaboração de um relatório de síntese sobre “Cidades Verdes Resilientes”. Esta síntese irá avaliar o estado da arte, soluções e recomendações para fornecer insumos para implementação de políticas públicas para o Governo Federal.  

No território nacional, as 92 cidades do Estado do Rio de Janeiro são particularmente vulneráveis a eventos extremos e alterações climáticas, em decorrência de históricas e constantes alterações biofísicas e questões populacionais. Em 2018, o Instituto Internacional para Sustentabilidade elaborou o Plano Estadual de Adaptação às Mudanças Climáticas, analisando projeções climáticas e seus impactos sobre os recursos hídricos, a saúde humana, deslizamentos e na Agenda Verde.  

No território nacional, as 92 cidades do Estado do Rio de Janeiro são particularmente vulneráveis a eventos extremos e alterações climáticas, em decorrência de históricas e constantes alterações biofísicas e questões populacionais.

Papel Crescente das Cidades na Ação Climática 

Na COP-28, em Dubai, cidades e outros atores subnacionais desempenharam um papel maior do que em qualquer COP anterior. A primeira Cúpula de Ação Climática Local reuniu mais de 500 prefeitos, governadores e outros líderes subnacionais para elevar o papel das cidades na ação climática. Há uma linguagem aprimorada sobre ação “multinível”, integrando soluções baseadas na natureza ao planejamento urbano para a construção de cidades resilientes.  

Atualmente, o IIS está construindo uma ferramenta analítica para orientar políticas públicas para a redução do risco de catástrofes naturais através de SbN no Rio de Janeiro. Essa ferramenta foi vencedora do desafio da Swiss Re Foundation, vislumbrando seu potencial de ser facilmente ajustável a qualquer região, fomentando a transição para cidades resilientes através das soluções baseadas na natureza. Uma abordagem holística é adotada para combinar estratégias de mitigação e adaptação, integrando políticas e práticas que considerem tanto os aspectos naturais quanto urbanos. 

Há uma linguagem aprimorada sobre ação "multinível", integrando soluções baseadas na natureza ao planejamento urbano para a construção de cidades resilientes.  

Cidades resilientes são um desafio global, mas com a combinação certa de estratégias e parcerias, é possível enfrentar os obstáculos e construir um futuro mais sustentável e seguro para todos. O IIS está comprometido nesta transição. Através de pesquisa, projetos e parcerias, o Instituto desenvolve estratégias e soluções transformadoras, com base na Ciência e outros saberes, para cidades mais resilientes e sustentáveis. 

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