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21.09.21
O que queremos? – dossiê Arrabalde
Trecho da entrevista do diretor executivo do IIS Bernardo Strassburg, para a matéria “O que queremos”, publicada na Revista Piauí, edição 175, de abril de 2021. O texto compõe o dossiê “Arrabalde”, sobre a Amazônia, de autoria de João Moreira Salles.
Strassburg é professor do departamento de geografia e meio ambiente da PUC-Rio. Ele e a engenheira de proteção ambiental Agnieszka Ewa Latawiec, pesquisadora polonesa que conheceu durante o doutorado em ciências ambientais no Reino Unido e que se tornou sua mulher, fundaram no Rio de Janeiro o Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS), um centro de pesquisa sobre uso sustentável da terra, conservação da biodiversidade, provisão de serviços ecossistêmicos e adaptação às mudanças climáticas. Strassburg foi o autor principal de um importante artigo de 2020 sobre recomposição ecológica. Publicado na revista britânica Nature com o título Global Priority Areas for Ecosystem Restoration (Áreas prioritárias globais para a restauração de ecossistemas), o estudo teve repercussão mundial.
Usando um algoritmo desenvolvido pelo grupo de pesquisa que lidera, Strassburg identificou as regiões do globo que apresentam melhor custo-benefício para ações ambiciosas de mitigação climática e preservação da biodiversidade. De acordo com uma das principais conclusões a que chega o trabalho, “restaurar 30% das áreas degradadas do planeta pode salvar 71% de espécies da extinção e absorver quase metade do carbono acumulado na atmosfera desde a Revolução Industrial”.
Onde restaurar é o ponto crítico. O grande achado do artigo é demonstrar como benefícios ecossistêmicos e climáticos variam drasticamente de lugar a lugar. “Um investimento de 1 bilhão na Noruega salva duas espécies de grama e uma borboleta. Esse mesmo esforço, se feito em Madagascar ou no Brasil, tem um efeito quatro ordens de magnitude acima”, explica Strassburg. Segundo quase todos os critérios importantes – captura de carbono, manutenção da biodiversidade, custo da restauração, segurança alimentar –, o Brasil é ideal. Um hotspot. O que é outro modo de dizer que, por fim, descobriu-se uma atividade em que a Amazônia conta com uma vantagem comparativa notável em relação a quase todas as outras regiões do planeta.
Capital natural é um conceito econômico que se refere às terras, águas e diversidade de vida sem cujos serviços não haveria sociedade humana. “O mundo é um free rider do capital natural do Brasil. A gente exporta os serviços prestados por ele sem que ninguém pague por isso”, explica Strassburg. Alguns desses serviços têm caráter local: estabilização dos solos, polinizadores, a evapotranspiração que regula as chuvas. Outros têm abrangência global: captura de carbono e biodiversidade. O mundo não está disposto a pagar pelos primeiros, mas pelos outros, sim. “Não é à toa que existem duas convenções da ONU sobre os dois temas de abrangência global e nenhuma convenção sobre polinizadores”, diz Strassburg, referindo-se à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e a Convenção sobre Diversidade Biológica.
Cabe então a pergunta: como esses pagamentos têm se materializado? Para quem acompanha esse debate há tempos, já se tornou cansativa a promessa de que os mercados de PSA serão uma realidade na próxima década – sempre na próxima, a década que nunca chega. Strassburg contesta: “Eu vejo a realidade desses pagamentos acontecer no futuro, mas, sobretudo, vejo acontecer no passado. O Brasil é o maior beneficiário do mundo em REDD+, fruto do acordo bilateral com a Noruega: 1 bilhão de dólares recebidos de um só país.”
Alguns sinais justificam o otimismo de Strassburg. Grandes empresas, e não só países, também têm se comprometido a mitigar suas taxas de emissão de gases do efeito estufa. A Amazon declarou que será neutra em carbono em 2040. A Apple, em 2030, mesmo ano em que a Microsoft se comprometeu a ser negativa em carbono. A exemplo das três gigantes, cresce mais e mais a lista das grandes corporações que assumem compromissos semelhantes de mitigação climática. Segundo Strassburg, “quando a conta das metas globais começar a chegar – por exemplo, a Europa anunciou que atingirá a neutralidade das emissões em 2050 –, a busca por alternativas que otimizem custo e eficácia vai se intensificar muito. E aí entram os serviços ecossistêmicos, porque as soluções baseadas na natureza são as mais baratas e eficientes”. Ainda não se inventou tecnologia melhor do que uma árvore para capturar carbono da atmosfera. Ou do que uma floresta para conservar a biodiversidade.
“Partindo da hipótese de que o mundo levará a sério o problema do aquecimento global, dá pra prever que, sim, o PSA será uma realidade”, afirma Strassburg. “As soluções baseadas na natureza são óbvias.” Numa conta que fez, o bioma Amazônia poderá captar anualmente até 10 bilhões de dólares em REDD+. “É bem mais do que o custo de oportunidade de converter as florestas em agricultura, ou seja: transformar a mata em pasto e lavoura é mau negócio, gera menos renda.”
Se há um aspecto em que Bernardo Strassburg se alinha com o colega Juliano Assunção é na certeza de que não existe uma forma única para solucionar os problemas da Amazônia. “PSA não é para sempre. Tem que ser compreendido como uma ponte para implantar um modelo de desenvolvimento mais sustentável no bioma. Os recursos do REDD+ deveriam ir para o fazendeiro que não incorreu em desmatamento legal – ele tinha autorização para derrubar a floresta, mas decidiu manter – e para a ciência, a tecnologia, a inovação, tudo o que seja necessário para criar um bioma sustentável.”
É uma observação importante. No futuro, o mundo talvez prescinda da Amazônia. E não só por causa da eventual inversão do ciclo carbônico. Há hoje toda uma indústria em gestação para enfrentar com meios artificiais a crise do aquecimento global. De usinas para extrair carbono da atmosfera a esquemas de refração da luz solar, essas iniciativas compõem um novo campo da ciência aplicada, a geoengenharia. Soa perigoso, e provavelmente é, mas isso não equivale a dizer que seja ineficiente. Talvez seja até inevitável. “Digamos que a economia dos países desenvolvidos chegue à neutralidade de emissões em 2050”, especula Strassburg. “Eles vão precisar menos da Amazônia. E, se ainda precisarem, o preço terá caído, porque outras soluções estarão competindo com os serviços ecossistêmicos naturais.”
Se acontecer, o Brasil terá perdido mais uma vez o bonde da história.