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06.05.19
Bernardo Strassburg é um dos autores líderes do novo relatório da Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES)
A avaliação é mais completa já realizada e aponta estudos científicos e casos de sucesso práticos para reverter este quadro.
A natureza, em todo mundo, está em um processo de declínio como nunca visto antes da história da humanidade, acelerando a taxa de extinção de espécies e impactando diretamente o ser humano – é o que mostra o novo relatório da Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), cujo resumo foi aprovado na 7ª sessão do Plenário do IPBES, em reunião na semana passada (29 de abril a 4 de maio) em Paris.
O relatório tem duas grandes mensagens principais. Por um lado, comprova um quadro trágico da devastação da natureza do planeta e as enormes consequências negativas desta devastação para o bem-estar humano. Por outro, com base em múltiplos estudos científicos e casos de sucesso práticos, ilumina caminhos para reverter este quadro e atingir ao mesmo tempo um estado de equilíbrio na nossa relação com o resto da natureza e os grandes objetivos de desenvolvimento sustentável que a humanidade traçou para si própria. Traz o alerta da situação catastrófica e os caminhos para sair dela.
“A esmagadora evidência da Avaliação Global do IPBES, de um vasto leque de diferentes áreas de conhecimento, apresenta um quadro sinistro”, disse o Presidente do IPBES, Sir Robert Watson. “A saúde dos ecossistemas dos quais nós e todas as outras espécies dependem está se deteriorando mais rapidamente do que nunca. Estamos erodindo as próprias fundações de nossas economias, meios de subsistência, segurança alimentar, saúde e qualidade de vida em todo o mundo”.
O pesquisador brasileiro Bernardo Strassburg, professor do Departamento de Geografia e Meio Ambiente da PUC-Rio e Diretor Executivo do Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS) foi um dos autores líderes do relatório. Focou sua contribuição no quinto capítulo, focado nos caminhos possíveis para sair da calamitosa situação atual para um futuro sustentável. A mensagem principal é que apenas com transformações em larga escala e coordenadas em diversos setores conseguiremos atingir um futuro sustentável. “A boa notícia é que não precisamos de nenhuma nova invenção, todos os elementos necessários para a transição para a sustentabilidade já estão sendo implementados com sucesso em diversas regiões do planeta, ainda que em pequenas escalas e de forma isolada”, ressalta Strassburg.
Dentre as diversas medidas de feito já comprovado estão a expansão de áreas protegidas e terras indígenas, um planejamento espacial integrado que concilie áreas para produção agrícola, áreas para conservação e áreas para restauração da natureza. Estes elementos foram ilustrados no relatório com casos de sucesso do Brasil, que já levaram à maior redução de desmatamento que o mundo já viu em curto espaço de tempo (na Amazônia entre 2005 e 2012) e à experiências notáveis que conciliam produção, conservação e restauração. “Estes exemplos brasileiros de casos de sucesso no relatório global reforçam o nosso potencial único de liderar o mundo em uma transição que concilie a proteção à natureza e suas múltiplas contribuições para nós com o desenvolvimento rural sustentável e com um diferencial internacional. Para o setor agrícola, tal cenário evitará a atual degradação de solos, recursos hídricos e polinização, ao mesmo tempo que posicionará o agronegócio brasileiro na liderança da agricultura verde que já está se tornando exigência nos grandes mercados consumidores”, conclui o Prof. Strassburg.
“O relatório também nos diz que não é tarde demais para fazer a diferença, mas apenas se começarmos agora em todos os níveis, do local ao global”, disse ele. “Através da ‘mudança transformadora’, a natureza ainda pode ser conservada, restaurada e usada de forma sustentável – isso também é fundamental para atender a maioria das outras metas globais. Por mudança transformadora, queremos dizer uma reorganização fundamental em todo o sistema, através de fatores tecnológicos, econômicos e sociais, incluindo paradigmas, metas e valores.”
“Os Estados membros do Plenário do IPBES já reconheceram que, por sua própria natureza, a mudança transformadora pode esperar oposição daqueles com interesses investidos no status quo, mas também que tal oposição pode ser superada para o bem público mais amplo”, disse Watson.
O Relatório de Avaliação Global do IPBES sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos é o mais abrangente já concluído. É o primeiro Relatório intergovernamental de seu tipo e baseia-se na histórica Avaliação Ecossistêmica do Milênio de 2005, introduzindo formas inovadoras de avaliar as evidências.
Compilado por 145 autores especialistas de 50 países nos últimos três anos, com contribuições de outros 310 autores contribuintes, o Relatório avalia as mudanças nas últimas cinco décadas, fornecendo uma visão abrangente da relação entre os caminhos do desenvolvimento econômico e seus impactos na natureza. Também oferece vários cenários possíveis para as próximas décadas.
Além de Strasssburg, contribuíram também para o estudo a diretora executiva do IIS e Professora do Departamento de Geografia e Meio Ambiente da PUC-Rio Agniezka Latawiec e a assistente de pesquisa do IIS Fernanda Tubenchlak.
Com base na revisão sistemática de cerca de 15.000 fontes científicas e governamentais, o Relatório também extrai (pela primeira vez nessa escala) conhecimento indígena e local, particularmente sobre questões relevantes para os Povos Indígenas e Comunidades Locais.
O Relatório conclui que cerca de 1 milhão de espécies animais e vegetais estão agora ameaçadas de extinção, e muitas dessas podem vir a se extinguirem em apenas décadas, mais do que nunca na história da humanidade.
A abundância média de espécies nativas na maioria dos habitats terrestres diminuiu em pelo menos 20%, principalmente desde 1900. Mais de 40% das espécies de anfíbios, quase 33% dos corais formadores de recifes e mais de um terço de todos os mamíferos marinhos estão ameaçados. O quadro é menos claro para espécies de insetos, mas evidências disponíveis apontam para uma estimativa de 10% de espécies ameaçadas. Pelo menos 680 espécies de vertebrados foram levadas à extinção desde o século XVI e mais de 9% de todas as raças domesticadas de mamíferos usados para alimentação e agricultura foram extintas em 2016, com pelo menos mais 1.000 raças ainda ameaçadas.
Para aumentar a relevância política do Relatório, os autores da avaliação classificaram, pela primeira vez nessa escala e com base em uma análise minuciosa das evidências disponíveis, os cinco direcionadores diretos da mudança na natureza com os maiores impactos globais relativos até agora. São estes, em ordem decrescente: (1) mudanças no uso da terra e do mar; (2) exploração direta de organismos; (3) mudança climática; (4) poluição e (5) espécies exóticas invasoras.
O relatório observa que, desde 1980, as emissões de gases do efeito estufa dobraram, elevando a temperatura média global em pelo menos 0,7 graus Celsius. O impacto dessa mudança climática sobre a natureza, desde os ecossistemas até genética, deve aumentar nas próximas décadas, em alguns casos, superando o impacto da mudança do uso da terra e do mar e outros fatores.
Apesar do progresso para conservar a natureza e implementar políticas, o Relatório também considera que as metas globais para conservar e usar a natureza de forma sustentável e alcançar a sustentabilidade não serão alcançadas pelas trajetórias atuais, e as metas para 2030 e além poderão ser alcançadas somente através de mudanças transformadoras envolvendo fatores econômicos, sociais, políticos e tecnológicos. Somente quatros, das vinte Metas da Biodiversidade de Aichi obtiveram progresso satisfatório, é, portanto, provável que as demais não sejam cumpridas até 2020.
As atuais tendências negativas em biodiversidade e ecossistemas prejudicarão o progresso de 80% (35) das 44 metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, relacionadas à pobreza, fome, saúde, água, cidades, clima, oceanos e terra (ODS 1, 2, 3, 6, 11, 13, 14 e 15). A perda de biodiversidade é, portanto, mostrada não apenas como uma questão ambiental, mas também como um problema de desenvolvimento, econômico, de segurança, social e moral.
Outras constatações do Relatório incluem:
• Três quartos do ambiente terrestre e cerca de 66% do ambiente marinho foram significativamente alterados pelas ações humanas. Em média, essas tendências foram menos severas ou evitadas em áreas mantidas ou gerenciadas por Povos Indígenas e Comunidades Locais.
• Mais de um terço da superfície terrestre do mundo e quase 75% dos recursos de água doce são agora dedicados à produção agrícola ou pecuária.
• O valor da produção agrícola aumentou cerca de 300% desde 1970, a colheita de madeira bruta aumentou 45% e aproximadamente 60 bilhões de toneladas de recursos renováveis e não renováveis são extraídos globalmente a cada ano – quase dobrando desde 1980.
• A degradação da terra reduziu a produtividade de 23% da superfície terrestre global, até US$ 577 bilhões em safras globais anuais estão em risco de perda de polinizadores e de 100 a 300 milhões de pessoas vivem em áreas de risco elevado de inundações e furacões devido à perda de habitats e proteção.
• Em 2015, 33% da população de peixes marinhos estavam sendo predados em níveis insustentáveis; 60% foram pescados de forma sustentável, e apenas 7% colhidos em níveis inferiores aos que podem ser pescados de forma sustentável.
• As áreas urbanas mais do que dobraram desde 1992.
• A poluição plástica aumentou dez vezes desde 1980, de 300 a 400 milhões de toneladas de metais pesados, solventes, resíduos tóxicos e outros resíduos de instalações industriais são despejados anualmente nas águas do mundo e fertilizantes que entram nos ecossistemas costeiros produziram mais de 400 zonas mortas, totalizando mais de 245.000 km2 – uma área combinada maior que a do Reino Unido.
• As declínio da natureza continuará até 2050 e além em todos os cenários de política explorados no Relatório – exceto aqueles que incluem mudanças transformadoras – devido aos impactos projetados de mudanças crescentes no uso da terra, exploração de organismos e mudança climática, embora com diferenças significativas entre regiões.
O Relatório também apresenta uma ampla gama de ações ilustrativas para a sustentabilidade e caminhos para alcançá-las entre setores como agricultura, silvicultura, sistemas marinhos, sistemas de água doce, áreas urbanas, energia, finanças e muitos outros. Destaca a importância de, entre outros, adotar abordagens integradas de gestão e intersetoriais que levem em conta as compensações da produção de alimentos e energia, infraestrutura, manejo de água doce e costeira e conservação da biodiversidade.
Também identificada como um elemento-chave de políticas futuras mais sustentáveis está a evolução dos sistemas financeiros e econômicos globais para construir uma economia global sustentável, afastando-se do atual paradigma limitado de crescimento econômico.